Profª. Drª. Rosângela Wosiack Zulian
Professora Adjunta do Depto. de História/UEPG
Professor do Mestrado em História, Cultura e Identidades/UEPG
Carlos Rodrigues Brandão, ao pensar o campo religioso, diz que não deve haver no Brasil outro sistema de relações sociais com a multiplicidade de tramas e teias de trocas, alianças e conflitos que são a estrutura e o dilema constitutivos da Igreja católica. Nela convivem, no espaço e no tempo, praticamente todas as modalidades de realização da religião como experiência e significação do mundo e da própria vida social.
Instituição complexa e heterogênea, com suas divisões e tensões internas, em seu interior se cruzam diferentes tendências relacionadas com a diversidade social, política, cultural e espiritual da sociedade mais ampla. Assim, alguém que faz parte de uma pastoral comprometida com lutas sociais, como a Comissão da Pastoral da Terra (CPT) tem uma prática, opções e discursos distintos de um membro de Opus Dei. Não obstante, ambos integram a mesma instituição.
A instituição católica no Brasil não pode ser entendida fora do contexto político-religioso do final dos anos 50 e início dos anos 60 do século XX. A liberdade política da época foi favorável à emergência de grupos que representaram novas demandas sociais, consentâneas ao aggiornamentodo pontificado de João XXIII. .
O golpe militar que, em 1964 instaurou o Regime de Segurança Nacional, levou a Igreja a frear seu processo de renovação interna, em que parte da instituição buscou colaborar com os novos ocupantes do poder público. Em 31 de março de 1964 os bispos do Paraná publicaram seu primeiro pronunciamento conjunto e de impacto, o “Manifesto do Episcopado Paranaense” sobre a crise instaurada no país. Bastante semelhante ao Manifesto dos Bispos do Brasil publicado em 29 de maio de 1964, expressava as representações do comunismo e sua mazelas, os assaltos à ordem estabelecida e toda a fragilidade a que se expunha a instituição no momento. Mais que resistir às mudanças que se avizinhavam a Igreja simultaneamente condenava o comunismo “intrinsecamente mau” e o capitalismo “egoísta e indiferente à sorte dos pobres” entendendo-se uma terceira via, sem entender inteiramente que tinha apoiado um golpe ditatorial e suas decorrências: O sentimento anticomunista de boa parte da Igreja nacional expressou-se em nexos discursivos em que o temor por mudanças das classes médias brasileiras compunha com os altos interesses do capital americano.
Em Ponta Grossa, como no Brasil, as lutas de representações que a sociedade ainda trava em torno de sua participação do regime de exceção, sugerem os caminhos silenciosos da construção da memória de grupos comprometidos com o regime. A organização de um consenso possível foi e é um elemento que compõe uma determinada cultura política que possibilitou que a ditadura se sustentasse. Evidencia, ainda, a permanência de determinados valores, como o medo real do comunismo e seu potencial de destruição de instituições centrais e responsáveis pela organização do cotidiano: a família, a religião, a pátria, a democracia. O regime instaurado em 1964 pode contar com a identificação e a participação de segmentos significativos da sociedade local os quais partilharam e partilham muitos de seus valores.
Porém, nos vinte anos seguintes do regime militar (1964-1985), quando se fecharam no país lugares de articulação política, sindical e social, a Igreja foi um espaço de relativa liberdade de organização e de ação. A CNBB e alguns bispos foram, o que se chamou depois, “a voz dos sem voz”. Nesses anos surgiram a Comissão da Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e se desenvolveram a Pastoral Operária e as Pastorais da Juventude.
Na contramão de sua postura em 1964, a CNBB, no último dia 27 de março, na pessoa de D. Leonardo Steiner, secretário-geral da entidade, participou do ato de lançamento da declaração pública “Compromisso coletivo pela democracia – Brasil: ditadura nunca mais”, na sede das Pontifícias Obras Missionárias.
O documento proposto pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), do qual a Igreja Católica é membro, e em parceria com outras organizações, faz memória aos 50 anos do golpe militar e destaca a atuação das igrejas cristãs na luta pela plena democracia e garantia dos direitos humanos. Salienta o texto que grupos ligados às Igrejas, em conjunto com os movimentos sociais, foram imprescindíveis para a superação do período. A mobilização do movimento ecumênico com o apoio do Conselho Mundial de Igrejas na denúncia e registro de crimes de tortura resultou no “Projeto Brasil: Nunca Mais”, obra corajosa e de denúncia, assumida por um membro interno da Igreja, D. Paulo Evaristo Arns.