sexta-feira, 7 de março de 2014

DOSSIÊ: Literatura religiosa na América: circulação e recepção.


Organização: Prof.a Dra. Eliane Cristina Deckmann Fleck (Universidade do Vale do Rio dos Sinos -RS); Prof. Dr. Mauro Dillmann (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS).

http://seer.bce.unb.br/index.php/hh/announcement/view/208


Importantes estudos sobre livros, leitores e leituras já foram realizadas pelo historiador Roger Chartier desde a década de 1980. Na Europa, publicações sobre práticas de leitura não são temas novos. Além de Chartier, Anthony Grafton, Reinhard Wittmann, Martyn Lyons, Fernando Bouza, Robert Darnton e Jean-François Gilmont também se dedicaram ao tema, com diferentes objetos e enfoques. Sobre a literatura religiosa, vale destacar os trabalhos de Dominique Julia, Ana Cristina Araújo e Olímpia Maria da Cunha Loureiro. No Brasil, historiadores como Luiz Carlos Villalta, Lúcia Bastos Pereira Neves, Márcia Abreu e Marisa Deaecto também têm se dedicado ao estudo das práticas de escrita e de leitura, enfocando o período colonial e o imperial. Contudo, o estudo das práticas de leitura, de circulação e de recepção da literatura religiosa produzida na Península Ibérica nas distintas regiões da América Portuguesa e Espanhola ainda é tema pouco explorado no Brasil, mas aos poucos vem ganhando espaço e interesses de pesquisadores, como Cláudia Rodrigues, Marília de Azambuja Ribeiro, William de Souza Martins, Magda Maria Jaolino Torres e Juliana Beatriz Almeida de Souza. Na Europa dos séculos XVII e XVIII, profundamente marcada pelo espírito contrarreformista, difundiu-se a produção de literatura religiosa, com destaque para manuais de devoção, catecismos, missais, compêndios, breviários, obras edificantes, vidas de santos e livros de orações, cuja intenção era a de orientar moralmente seus leitores, ensinando-os também a se preparar para a morte. Sabe-se que durante os séculos XVI, XVII e XVIII cabia à Igreja a autorização da publicação e também o incentivo à leitura de obras de teologia moral pelos fiéis, que não deveriam ficar restritas aos padres. Esta função recebeu incremento significativo durante o papado de Pio IX (1846-1878), que se caracterizou pela republicação de obras de cunho religioso. Na América portuguesa do Seiscentos e do Setecentos, as obras eram adquiridas tanto por leigos, quanto pelo clero secular e pelas ordens religiosas, com destaque para os jesuítas. Tal literatura poderia fazer parte de acervos de igrejas, seminários, irmandades, bibliotecas de ordens religiosas, favorecendo a propagação de instruções católicas para uma vida santa. No século XIX, com a vinda da Corte e a instalação da Imprensa Régia, a publicação e divulgação de obras com conteúdos religiosos foi bastante ampliada. A circulação dos textos, como nos lembra Chartier, não se reduz a sua difusão impressa, estando especialmente ligada a sua divulgação, que por estar condicionada, muitas vezes, a imposições e expectativas, determina usos plurais e, consequentemente, graus distintos de imitação e apropriação. A leitura – em sua dimensão coletiva –, segundo este mesmo autor, pode ser pensada como uma relação dialógica entre os “sinais textuais” emitidos pela obra e o “horizonte de expectativa”, coletivamente partilhado, “que governa sua recepção”. A recepção de tais obras está, portanto, associada à avaliação dos efeitos socioculturais que elas tenham produzido na sociedade. Se a leitura pode ser compreendida a partir da “atualização” do texto, um processo no qual o leitor opera a compreensão, reconstrói e traduz para si, a recepção – a atribuição de significado e construção de sentido – depende do contexto em que o texto está inserido, bem como da forma em que se apresenta disponível para a leitura. Para Michel de Certeau, as possibilidades de recepção estão relacionadas ao espaço e ao tempo, implicando distintos interesses, criações e significações. O texto permanece o mesmo, mas seus sentidos, certamente, mudam ao longo do tempo e das republicações. Nesta perspectiva, a literatura religiosa produzida – e reeditada – pode ser percebida como resposta às demandas de seu tempo e, portanto, associada à recepção esperada em cada contexto. Este Dossiê permitirá a divulgação de trabalhos de pesquisadores que têm se dedicado à análise das práticas de escrita e de leitura de literatura religiosa produzida na Europa dos séculos XVI, XVII e XVIII – com destaque para Portugal, Espanha, França e Inglaterra – e, ainda, na América portuguesa, espanhola e franco-anglo-saxônica dos séculos XVIII e XIX.

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