domingo, 1 de dezembro de 2013

Descoberta arqueológica na cidade onde nasceu Buda, no Nepal, antecipa em 300 anos a data de seu nascimento e pode mudar a história do budismo

João Loes
Quem visitou o templo de Maya Devi, na cidade de Lumbini, no Nepal, entre os meses de janeiro e fevereiro nos últimos três anos viu mais do que se costuma ver neste que é um dos destinos mais visitados por fiéis do budismo no mundo. Nesse período, em meio ao sítio arqueológico, que é a principal atração do templo e guarda registros dos primórdios da religião, um time de 40 arqueólogos trabalhou para descobrir o que o espaço ainda tinha a revelar. As esperanças eram grandes. Segundo a tradição, foi em Maya Devi, reconhecido em 1997 como patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que Sidarta Gautama, o Buda, nasceu. “O que acabamos encontrando foi o templo budista mais antigo de que se tem notícia”, anunciou o arqueólogo inglês Robin Coningham, da Universidade de Durham, que liderou os trabalhos com apoio da National Geographic Society, dos governos japonês e nepalês e da própria Unesco. “Segundo cálculos feitos na madeira de sua estrutura, ele data do século 6 a.C.” Os resultados foram publicados no jornal acadêmico de arqueologia “Antiquity”, um dos mais respeitados do mundo.
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Até o achado da equipe de Coning-ham, supunha-se, com base em levantamentos arqueológicos e textos e relatos que sobreviveram ao tempo, que Gautama tivesse nascido entre os séculos 3 e 4 a.C. Agora, a data precisa retroagir em até 300 anos. “A descoberta provoca um recomeço de tudo o que sabemos sobre o início da religião budista”, aposta o arqueólogo, que fez as datações do material encontrado com técnicas consagradas como a fosforescência e o decaimento de carbono. Nem todos, porém, concordam com essa conclusão de Coning-ham. Para Frank Usarski, coordenador da pós-graduação em ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), embora Buda seja mais velho do que se pensava, Lumbini pouco mudou entre os séculos 3 a.C. e 6 a.C, ou seja, o contexto histórico era semelhante. “A região passava por uma profunda, mas perene mudança socioeconômica que se manifesta com força semelhante tanto na data antiga quanto na nova”, argumenta ele, que também é autor do livro “O budismo e as outras” (Ed. Ideias & Letras, 2009). 
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PEREGRINAÇÃO
Monges no sítio arqueológico onde foram encontrados
restos do templo mais antigo do mundo
Usarski defende que o maior impacto da descoberta, se ela for confirmada pela comunidade científica, é na credibilidade dos primeiros escritos da religião, que datam do século 1 a.C. Em registros antigos, a distância temporal entre a produção de um documento e os fatos que ele narra costuma servir de termômetro para sua credibilidade: quanto mais próximo, mais fiel; quanto mais distante, menos fiel. A lógica é que, até a produção do documento, a história é repassada oralmente e está sujeita à subjetividade de quem faz a narração. “Se o Buda nasceu 300 anos antes do que se imaginava, os relatos escritos de sua história passam a estar 300 anos mais distantes dos fatos que eles narram”, afirma Usarski.
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TENAZ
Robin Coningham liderou equipe de 40 arqueólogos durante os
rigorosos invernos do Nepal para fazer a descoberta
Ainda não é possível mensurar como a descoberta do mais antigo templo budista do mundo pode afetar o entendimento que se tem da religião atualmente. “Se é que o templo é budista”, diz Rodrigo Pereira da Silva, especialista em arqueologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém e professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). A afirmação de Silva faz eco às dúvidas que outros especialistas pelo mundo têm externado sobre a descoberta. Sabe-se, por exemplo, que na região de Lumbini templos nos moldes do que foi encontrado eram muito comuns e não necessariamente budistas. “Algum tipo de identificação se faz necessária para chegar a esse tipo de conclusão”, diz Silva. A única certeza é que o trabalho de Coningham em Lumbini, tido como rigoroso por seus colegas de arqueologia, é mais uma peça nesse gigante quebra-cabeça.
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Fotos: NielsDK/imagebroker; AFP PHOTO/NATIONAL GEOGRAPHIC/IRA BLOCK; Ira Block

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