quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Os sabores dos arquivos portugueses


Mauro Dillmann
Doutorando em História, Unisinos/RS


Referindo-se ao prazer de pesquisar em arquivos, a historiadora Arlette Farge no seu livro O sabor do Arquivo (Edusp, 2009) referiu-se metaforicamente ao “sabor” que deles pode experimentar o historiador. Posso dizer que a pesquisa nos arquivos e bibliotecas de um país historicamente cristão e devoto, como Portugal, é realmente uma experiência incrível e saborosa. Da tradição dos doces “conventuais” – referência à culinária praticada nos antigos conventos – passando pelas igrejas lotadas nas missas dominicais, até à impressão de fac-símiles de obras de religiosos do período medieval e moderno, percebe-se que Portugal ainda preserva muito da tradição católica dos tempos passados. Ao historiador interessado em religiões e religiosidades, fontes e referências de pesquisas não faltam.
É profícua quantidade de documentos disponíveis nos arquivos e bibliotecas. Além disso, os trabalhos acadêmicos são bastante pautados pela empiria e pela transcrição de documentos. Existem também muitos livros publicados pela Biblioteca Nacional de Lisboa que são guias bibliográficos e referências de fontes. Dependendo do tema a ser pesquisado, torna-se um atalho interessante. E um exemplo simpático – timidamente realizado no Brasil – do como partilhar informações e fontes primárias ou bibliográficas pode ser um caminho oportuno para o desenvolvimento de novas pesquisas ou diferentes olhares sobre uma mesma temática. Parece não haver “reserva” de arquivo e os documentos são divulgados no melhor estilo “solidariedade intelectual”.
Em Coimbra, a Universidade dispõe de uma ótima biblioteca – embora descentralizada – principalmente se considerarmos a possibilidade de consulta aos documentos da Joanina. Lá estão as obras mais raras e mais antigas. Para consultar seu acervo há a necessidade de requisitar com um dia de antecedência e existe uma sala específica para a consulta. Tal como a cidade, os funcionários conservam algo de provinciano. A biblioteca fecha ao meio-dia, retornando às 14h. Como o horário de trabalho da funcionária encerra às 17:30h, a pesquisa às obras da Joanina fica limitada ao seu expediente, embora a biblioteca continue em funcionamento até às 22h.
Na Biblioteca Nacional de Lisboa é possível encontrar desde manuscritos até obras publicadas recentemente. A Biblioteca funciona das 9h30min às 19h30min, sem interrupção ao meio-dia. O ambiente de pesquisa e leitura é agradável e aconchegante, mas a iluminação não é muito boa depois das 17h30min, quando começa a escurecer no outono/inverno. Para consultar qualquer obra é preciso primeiro localizá-la no catálogo, anotar a cota (o indicativo da busca formado por letras e números) para então fazer a requisição. Dependendo do documento – principalmente em casos de mau estado – a requisição deve ser feita manualmente, justificando o motivo da consulta. O problema é que nem todo o acervo está catalogado no sistema operacional, sendo necessário muitas vezes, consultar o velho fichário, o que demanda tempo e paciência.  O sistema de pesquisa avançada também não é muito eficiente, não existindo, por exemplo, a possibilidade de pesquisar separadamente obras de determinados períodos ou séculos. No mais, é possível solicitar até 12 referências de uma única vez, e o que é melhor: é possível fazer cópias pagando-se algo em torno de R$ 0,30 por folha. Mesmo as obras em mau estado são disponibilizadas aos pesquisadores que justificam o motivo da consulta e esse é outro diferencial importante. Lembro que uns anos atrás – desconheço o estado atual do acervo e a política de sua gestão – os jornais da Biblioteca Pública Pelotense não podiam ser consultados por estarem em mau estado. Estavam “fechados”, guardados para a “eternidade” talvez?! 
Enfim, a pesquisa no acervo desses arquivos é sempre surpreendente. O prazer das descobertas e o “espanto” é uma característica nossa, dos historiadores. Aqui, de fato, temos muitos motivos para nos impressionar. E não estou falando da crise econômica atual ou dos maravilhosos doces regados a ovos e amêndoas, mas dos sabores indescritíveis dos arquivos em termos de religiões e religiosidades. Sabores que vale a pena ser experimentados.

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