Mauro Dillmann
Doutorando em História, Unisinos/RS
Referindo-se ao prazer
de pesquisar em arquivos, a historiadora Arlette Farge no seu livro O sabor do Arquivo (Edusp, 2009)
referiu-se metaforicamente ao “sabor” que deles pode experimentar o
historiador. Posso dizer que a pesquisa nos arquivos e bibliotecas de um país
historicamente cristão e devoto, como Portugal, é realmente uma experiência
incrível e saborosa. Da tradição dos doces “conventuais” – referência à culinária
praticada nos antigos conventos – passando pelas igrejas lotadas nas missas
dominicais, até à impressão de fac-símiles de obras de religiosos do período
medieval e moderno, percebe-se que Portugal ainda preserva muito da tradição
católica dos tempos passados. Ao historiador interessado em religiões e
religiosidades, fontes e referências de pesquisas não faltam.
É
profícua quantidade de documentos disponíveis nos arquivos e bibliotecas. Além
disso, os trabalhos acadêmicos são bastante pautados pela empiria e pela
transcrição de documentos. Existem também muitos livros publicados pela
Biblioteca Nacional de Lisboa que são guias bibliográficos e referências de
fontes. Dependendo do tema a ser pesquisado, torna-se um atalho interessante. E
um exemplo simpático – timidamente realizado no Brasil – do como partilhar
informações e fontes primárias ou bibliográficas pode ser um caminho oportuno para
o desenvolvimento de novas pesquisas ou diferentes olhares sobre uma mesma
temática. Parece não haver “reserva” de arquivo e os documentos são divulgados
no melhor estilo “solidariedade intelectual”.
Em Coimbra, a Universidade dispõe de uma ótima biblioteca
– embora descentralizada – principalmente se considerarmos a possibilidade de
consulta aos documentos da Joanina. Lá estão as obras mais raras e mais
antigas. Para consultar seu acervo há a necessidade de requisitar com um dia de
antecedência e existe uma sala específica para a consulta. Tal como a cidade,
os funcionários conservam algo de provinciano. A biblioteca fecha ao meio-dia,
retornando às 14h. Como o horário de trabalho da funcionária encerra às 17:30h,
a pesquisa às obras da Joanina fica limitada ao seu expediente, embora a
biblioteca continue em funcionamento até às 22h.
Na Biblioteca Nacional de Lisboa é possível encontrar
desde manuscritos até obras publicadas recentemente. A Biblioteca funciona das
9h30min às 19h30min, sem interrupção ao meio-dia. O ambiente de pesquisa e
leitura é agradável e aconchegante, mas a iluminação não é muito boa depois das
17h30min, quando começa a escurecer no outono/inverno. Para consultar qualquer
obra é preciso primeiro localizá-la no catálogo, anotar a cota (o indicativo da
busca formado por letras e números) para então fazer a requisição. Dependendo
do documento – principalmente em casos de mau estado – a requisição deve ser
feita manualmente, justificando o motivo da consulta. O problema é que nem todo
o acervo está catalogado no sistema operacional, sendo necessário muitas vezes,
consultar o velho fichário, o que demanda tempo e paciência. O sistema de pesquisa avançada também não é
muito eficiente, não existindo, por exemplo, a possibilidade de pesquisar
separadamente obras de determinados períodos ou séculos. No mais, é possível
solicitar até 12 referências de uma única vez, e o que é melhor: é possível
fazer cópias pagando-se algo em torno de R$ 0,30 por folha. Mesmo as obras em
mau estado são disponibilizadas aos pesquisadores que justificam o motivo da
consulta e esse é outro diferencial importante. Lembro que uns anos atrás –
desconheço o estado atual do acervo e a política de sua gestão – os jornais da
Biblioteca Pública Pelotense não podiam ser consultados por estarem em mau
estado. Estavam “fechados”, guardados para a “eternidade” talvez?!
Enfim,
a pesquisa no acervo desses arquivos é sempre surpreendente. O prazer das descobertas
e o “espanto” é uma característica nossa, dos historiadores. Aqui, de fato,
temos muitos motivos para nos impressionar. E não estou falando da crise
econômica atual ou dos maravilhosos doces regados a ovos e amêndoas, mas dos
sabores indescritíveis dos arquivos em termos de religiões e religiosidades.
Sabores que vale a pena ser experimentados.
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